Casais que se envolvem com outras pessoas nem sempre têm relacionamentos abertos
Relacionamentos não tradicionais variam amplamente, então decidimos explorar um pouco a história da monogamia e o funcionamento dos novos formatos de relacionamento na atualidade.
Quase todos conhecem um casal que tem o hábito de explorar novos beijos, corpos e romances. Independentemente dos acordos individuais, tendemos a classificar essas pessoas sob o termo “relacionamento livre”, o que muitas vezes não corresponde à realidade.
Antes de você desistir deste texto, temendo ter que aprender um alfabeto completo de diferentes tipos de relacionamentos para não ofender ninguém, aqui vai um alerta: este texto não visa construir muros, mas sim derrubá-los, criando mais espaço para explorar aquele desejo intenso de experimentar novos sabores.
Hmmmmm, delicioso!
Descubra como esse grupo tem definido seus relacionamentos e ampliado as fronteiras do amor.
A curiosidade não monogâmica
Uma olhada rápida nas redes sociais mostra um interesse crescente em diferentes modelos de relacionamento. Respondendo a esse interesse, o psicanalista Christian Dunker lançou um vídeo no YouTube chamado “Não-monogamia e relacionamentos abertos”. As pesquisas no Google por termos como “não-monogamia”, “poligamia”, “relacionamento aberto”, bem como perguntas como “como abrir meu relacionamento?” e “como lidar com o ciúme?” subiram, em média, 43% nos últimos dois anos.
Essa tendência pode ter uma explicação histórica.
A monogamia não foi estabelecida por amor, mas sim para proteger as riquezas
Em “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, o escritor e teórico Friedrich Engels argumenta que a monogamia foi estabelecida não por amor, mas para proteger riquezas.
Segundo ele, “com a união monogâmica, a função paterna começou a definir a organização familiar e a perpetuação da propriedade privada dentro da mesma linhagem.”
Com isso, fomos condicionados a apreciar um modelo capitalista disfarçado de promessas românticas, que muitas vezes falha.
Isso pode explicar o aumento dos relacionamentos não tradicionais, pois a explicação clara de Engels não se alinha com o amor que desejamos, especialmente após dois anos confinados pela pandemia de coronavírus.
Então, vem o relacionamento livre, que traz espaço para que o desejo aflore e seja vivido de maneira plena.
Parece lindo, mas é preciso colocar uma lupa sobre essa receita já que nem tudo é tão fácil como pode soar a teoria.
Livre para quem?
Você pode nem imaginar, mas nem tudo é relacionamento livre, sabia?
Isso porque “livre” pressupõe uma liberdade que foi tirada pela monogamia e será resgatada nesse novo modelo.
O psicanalista Sam Alcântara, que também vive um relacionamento fora dos padrões monogâmicos, observa em sua clínica muitos acordos diferentes.
“Há pessoas que podem se relacionar com outras, contanto que o parceiro não saiba; existem aquelas que são proibidas de beijar alguém com o mesmo código de área do casal; e há acordos de ‘interação com terceiros permitida apenas se estiver dentro do campo de visão do outro'”, explica.
Como essas regras podem constituir o que chamamos de liberdade? Sam esclarece que o paradoxo reside no fato de que a monogamia é o único referencial conhecido para explorar a não-monogamia.
“Então, precisamos ir escalando, testando, abrindo aos poucos”. Ele conta que, no caso dele e de Sarah, sua parceira, o relacionamento foi aberto somente para ela por 6 meses para que pudessem avaliar se conseguiriam lidar com essa situação. Dado o sucesso da tentativa, a relação ficou aberta para ele também.
Camila Araújo é publicitária e está em um relacionamento não-monogâmico há mais de 3 anos.
Assim como outros casais que estão esperando a volta das atividades sociais para saber como os combinados funcionarão na prática, ela diz que ainda não sabe ao certo se o ciúmes vai protagonizar na relação, mas que existem combinados que ajudam a dar mais segurança ao sucesso dela, como não poder se relacionar com amigos, não poder transar com pessoas conhecidas, ser proibido levar outras pessoas para a casa que Camila divide com seu namorado e não poder se apaixonar.
Difícil essa, hein?
Com tantos “pode, mas não pode”, como a gente faz para controlar o desejo, essa coisa que invade o pensamento e nos enche de tesão? Pois é, não controla. Porque a verdade é que, por mais fortes e verdadeiros que sejam os vínculos, você não controla o desejo do outro, assim como ele não controla o seu.
A dica aqui é tentar refletir sobre seus próprios sentimentos e sensações dentro do relacionamento. Posso, insegurança, controle e rejeição são temas que valem ser tratados com muita atenção em terapia e análise.
Amor fora da caixa
Ao conversar com Sam sobre tipos de relacionamentos que ultrapassam barreiras tradicionais, discutimos sobre casais que saem juntos com outras pessoas, chamados de “casais liberais”; aqueles que ocasionalmente abrem a relação, os “monogamish”; os que mantêm múltiplas relações amorosas simultâneas, os “polígamos”; e os que se envolvem com outras pessoas independentemente um do outro, conhecidos como “relacionamentos abertos”. Compreendemos que categorizar essas dinâmicas pode reduzir a complexidade dessas relações se não for feito com sensibilidade.
“Tudo que foge aos padrões é novo e tem uma particularidade específica, sendo necessário tratar de forma individual as singularidades de cada relação. Entretanto, criar categorias pode ajudar a trazer a referência universal para que outras pessoas também se identifiquem e, a partir dessa referência, possam fundar sua própria forma de se relacionar”.
Assim, surgem os não-monogâmicos, que estabelecem bases estritamente não-românticas para seus relacionamentos.
É interessante notar que os não-monogâmicos, ou NMs, como são chamados, geralmente não apreciam aqueles que praticam o relacionamento aberto, pois este último se baseia em uma parceria sólida entre um casal que permite relações externas, contanto que não afetem a estrutura principal do relacionamento.
Sam questiona essa rigidez, já que qualquer relação é capaz de causar traumas. “É uma posição conflitante porque, mesmo com um pacto monogâmico, eu posso me machucar e não existe forma de prevenir isso”.
Conclusão: lealdade é a chave
Se você leu ou assistiu “A Alma Imoral” de Nilton Bonder, deve recordar-se das reflexões acerca de lealdade, fidelidade e traição. Se mantém fidelidade a um contrato monogâmico que lhe é prejudicial, talvez valha a pena questionar o grau de lealdade para consigo mesmo, seus desejos e emoções.
“Estamos constantemente coqueteando com a ideia de romper contratos, então não seria mais sincero discutir quais deles realmente desejamos ou não em nosso relacionamento?”, indaga o psicanalista Sam Alcântara.
Para injetar criatividade em seu relacionamento, Sam sugere que despersonalizar os afetos pode ser um exercício valioso para discutir o assunto sem culpa ou medo quando o parceiro compartilha seus desejos com você.
“Ser capaz de ouvir os sentimentos do seu parceiro sem se colocar no centro do universo é essencial para estabelecer uma relação de parceria e honestidade, vindo de um lugar de compreensão e segurança.”